Ah, a SX SST62, a queridinha os fóruns a "rainha dos upgrades", a incrível guitarra com "as mesmas madeiras da Fender", aquela mesma que com pequenas melhorias poderia soar "como uma Fender americana"...
Brincadeiras à parte, vamos tentar investigar o que tem de verdade e de mito sobre essa guitarra !
Creio que por volta de 2003, strateiros experientes entravam nas lojas e ficavam intrigados com uma guitarra de uma marca que ninguém conhecia. Nessa época, quase todas guitarras baratas vendidas no Brasil não passavam de tosqueiras, feitas com corpo de compensado e sérios defeitos de projeto e fabricação. Acabamento então, melhor nem comentar... Mas essa guitarra que tinha escrito "Shelter Traditional Series" no seu headstock apresentava um bom padrão de acabamento e madeiras bonitas. E melhor, quando plugada, realmente se ouvia aquele belo som de stratocaster que (quase) todos gostam !
Que guitarra era essa ?
A empresa Habro, um dos grandes importadores e distribuidores de instrumentos musicais no mercado brasileiro, "descobriu" uma fábrica asiática (parece que na Indonésia), que já teria inclusive "produzido para a Fender". Evidentemente, se tem alguma verdade nisso só poderia ter produzido para linha Squier, já que Fender mesmo não era fabricada na ásia por essa época (hoje sim, com a linha chinesa "Modern Player", excelentes guitarras por sinal). Mas o fato é que a Harbro trouxe lotes dessas guitarras e mandou colocar no headstock a marca "Shelter", uma grife criada pela própria Harbro para comercializar instrumentos importados.
Shelter FST62
Os primeiros lotes que chegaram aqui tinham a inscrição "Shelter Traditional Series Custom Hand Made" no headstock e o modelo era denominado "FST62" (assim mesmo com "F" !)
Tenho ainda uma dessas, vejam a foto do headstock (as ferragens douradas não são originais):
Headstock Shelter FST62 Traditional Series
Vejam uma foto de uma reedição americana da Fender 62, para começar, notem que a cavidade do tensor está escondida no final do braço e não no headstock:
Fender American Vintage 62 Stratocaster
Muito bem, mas apesar de não ser uma cópia fiel, a FST62 tinha muitas coisas boas. vamos ver:
Acabamento: A pintura era muito bem feita, cheguei a ver nas cores preta, vinho, creme e amarelo. O acabamento era em poliuretano (PU), como a maioria das Strats modernas (mas se fosse mesmo uma cópia da Fender 62 deveria ser em nitrocelulose !) assim como o verniz do braço. Algumas vinham com acabamento Sunburst 3T, muito bem feito. Cheguei a ter uma dessas, que era linda, me arrependi de ter vendido. Fotos dessa guitarra circularam em fóruns mas garanto que foi minha, (quem me vendeu foi o vendedor George.Del, bem conhecido no ML), vejam (trastes, alavanca e plásticos não originais) !
Sheter SFT62 Sunburst 3T
Plásticos: O escudo mint green e os plásticos eram de boa qualidade e bem bonitos.
Parte elétrica: a parte elétrica em si não se destacava, com potenciômetros e switch genéricos mas os captadores eram caps cerâmicos de qualidade bastante aceitável, capazes de entregar um bom som de stratocaster. Vou escrever muitos posts sobre "upgrade" futuramente, claro que a guitarra ganha com um bom set de singles em alnico, principalmente se vc tiver um amp valvulado mas acho uma bobagem pegar uma guitarra dessas já pensando em trocar os caps, já que com os caps originais dá para encarar numa boa a fase de aprendizado, ensaios ou mesmo shows. 90% dos upgrades que a gente lê em fóruns é apenas jogar dinheiro fora...
Mas os captadores originais não eram ruins, inclusive sua construção era cuidadosa, vejam a foto deles:
Captadores originais SX SST62
Notem que os pinos dos pólos têm o corte reto, inclusive se confundem com os bons caps em alnico. Interessante também a boa qualidade da fiação e o detalhe da chapa de metal na parte traseira.
Madeiras: e, finalmente, a pergunta que não quer calar: "eram as mesmas madeiras da Fender ?!" Bem, vamos analisar. Nas especificações do fabricante dizia: corpo: Alder; braço: Maple e escala: rosewood. São madeiras muito associadas às Fenders. Nesse ponto, temos que dizer duas coisas. Primeiramente, Leo Fender não era um Luthier e sim um extraordinário homem de indústria que teve a visão de produzir instrumentos de qualidade para músicos profissionais com um preço acessível. Alder e Maple são madeiras do hemisfério norte (sim, não crescem no Brasil !) que são utilizadas comumente em construção de móveis e casas, não são madeiras "nobres", Rosewood é uma madeira da família do nosso jacarandá que cresce em diversas regiões do mundo. Tais madeiras estariam disponíveis para as indústrias asiáticas ? Sim, porque como expliquei no post Guitarra boa, bonita e barata !, praticamente quase toda indústria moveleira mundial se transferiu para a China/Asia, a reboque disso, quase toda a produção mundial de madeira também foi direcionada para esses países e a indústria de instrumentos musicais tirou proveito disso.
Resta então a questão de verificarmos se madeiras são as mesmas em natureza e qualidade.
Com relação ao Rosewood, não tenho dúvidas, inclusive vi várias com peças bem bonitas na escala. Aqui vai uma observação interessante. A espessura da peça de rosewood da escala das SX era bem maior do que as que costumam vir na Fenders. Vejam uma foto comparando a minha Fender American Standard com a FST62:
FST62 a esquerda, Fender Ams à direita
Notem que a escala da FST62 é mais grossa do que a da Fender. Atribuo a isso o som um pouco mais grave das SX.
Com relação ao Maple do braço também não tenho dúvidas, inclusive cheguei a ver algumas com figuração tigrada (tiger maple). Os braços das guitarras que eu tive, examinei ou regulei me pareceram estáveis e de muito boa qualidade.
A dúvida fica com relação ao corpo de Alder, isso porque na maioria das guitarras a pintura encobre a madeira, impossibilitando a identificação e mesmo as de acabamento semitransparente tal identificação não é fácil. Por outro lado, vamos ver mais a frente alguns modelos SX com corpo em Ash, essa sim uma madeira facilmente identificável. Como verificamos que as SX em Ash eram realmente feitas com essa madeira, não vejo porque não aceitar que o Alder das SX seja, de fato, Alder. As em acabamento semitransparente que eu examinei me pareceram realmente Alder, o peso é bem compatível com o que se espera do Alder. No entanto, um Luthier da minha cidade me disse que têm dúvidas quanto a isso, fica registrado então. No excelente Blog do Paulo May, um guitarrista e Luthier que entende muito de construção de guitarras também constam observações sobre o Alder que ele encontrou nas SX e os das Fenders Americanas, quem quiser informações mais detalhadas o link e o seguinte:
Nesse ponto, podemos responder a questão se as madeiras são as "mesmas das Fenders". Sim, ressalvado o que foi dito acima, são. Mas seriam da mesma qualidade ? Bem, fica difícil afirmar isso porque até entre Fenders da mesma linha existem diferenças significativas no madeiramento. Talvez a Fender tenha um processo de secagem dessas madeiras mais maturado, já que muitas indústrias usam estufas para secagem rápida das madeiras mas não vejo razões sólidas para afirmar que as madeiras das SX sejam piores, ou muito piores, como queiram, então tá valendo !
Os corpos eram feitos em dois ou trés pedaços, como acontece até nas Fenders americanas mas a FST62 da foto acima tinha o corpo em peça única (dá para ver pela foto) !
Construção: o braço de 21 trastes era bem feito, embora não possa ser comparável ao de uma Fender de qualidade, os trastes colaboram muito nesse sentido. O corpo também era cuidadosamente usinado.
Tarraxas: A guitarra tem tarraxas no estilo vintage de qualidade bem ruim, esse é um dos pontos fracos dela. No entanto, ainda acho que não vale a pena trocá-las, a maior parte das queixas de desafinação são causadas por cordas mal colocadas ou pela ponte, que vamos ver a seguir.
Ponte: a guitarra vem equipada com ponte modelo vintage (6 parafusos), de péssima qualidade. Aparentemente, as pontes eram usinadas pelo próprio fabricante pois não obedeciam exatamente ao padrão e as medidas das peças de reposição Fender. Isso é péssimo, porque dificulta em muito a substituição. Durante muito tempo eu pensei ser inviável substituir essa ponte mas um guitarrista experiente mostrou que era possível sim substituir por uma Wilkinson (que segue o padrão Fender), apenas colocando primeiro os dois parafusos do centro e depois colocando os restantes forçando um pouco a entrada dos parafusos. Mas qual é o problema com essa ponte ? Carrinhos de péssima qualidade, o usinamento da chapa da base é mal feito, a própria chapa é muito fina e o "fulcrum", aquela peça de metal que fica dentro da cavidade de madeira tinha pouca massa, prejudicando a entonação. Minha recomendação para quem comprar uma guitarra assim é não utilizar a alavanca, imobilizando a ponte através da colocação de todas as 5 molas esticadas ao máximo, ou então fazer um bloco de madeira para imobilizar a ponte.
Trastes: trastes vintage, bem finos, de qualidade média, isso diminui a versatilidade da guitarra. O trabalho de colocação de trastes era até razoável mas ainda assim exige levar a guitarra a um Luthier para um nivelamento fino dos trastes (farei um post sobre isso no futuro)
Ok, examinadas as características básicas da guitarra vamos ver agora os diversos modelos que se seguiram.
SX SST62
Depois de um tempo, parece que a tal fábrica da Indonésia cresceu e passou a vender instrumentos para outros clientes em todo o mundo. Hoje, existe um site muito bem estruturado com os proutos da marca:
mas o fato é que as guitarras distribuídas pela Harbro passaram a vir com um headstock diferente, dessa vez com a inscrição SX, ao invés de Shelter, e a guitarra passou a se chamar "SST62" no lugar de "FST62", vejam (observem também, que as tarraxas não são originais nessa foto):
SX SST62
Apesar da mudança nos nome, o instrumento era exatamente o mesmo da Shelter FST62, inclusive na qualidade (e nos defeitos !).
Após uns anos, para a tristeza de muitos, a Fender começou a pegar pesado aqui no Brasil com aqueles que copiavam seus modelos, exigindo sob ameaça de processos que se fizessem mudanças no formato do headstock. Com isso, muitos fabricantes mudaram o design de seus braços, colocando o famoso (e feioso !) "bico de papagaio", e a Harbro também efetuou tal mudança, passando os modelos a vir com o seguinte headstock:
SX SST 62 - Headstock "Bico de Papagaio"
Temos que reconhecer que chegaram a um design bem sóbrio, sem aqueles "bicos" exagerados ! Mais uma vez, apesar da mudança cosmética, o instrumento era exatamente o mesmo da Shelter FST62 !
SX SST LT2
Pois bem, com o sucesso da SST62, turbinado pela reviews miraculosas que pululavam nos fóruns da internet, a Harbro lançou um outro modelo, SX SST LT2, aparentemente com a intenção de oferecer um instrumento que dispensasse qualquer upgrade, mais voltado para os músicos profissionais. Como novidade, trazia o corpo em ash, ferragens douradas, captadores em alnico, escala clara, tarraxas seladas, escudo "pearloid" e ainda vinha acompanhada de um belo case de alto padrão. Estranhamente, o encaixe do braço era a 3 parafusos, como nas Fenders 70's. A ponte era a semelhante às da SST62. Foi uma das maiores pechinchas do mercado, já que era vendida por cerca de 800 e poucos reais ! Não sei por que, essa linha durou pouco...
SX SST LTD
SX SST ASH
Pouco depois, apareceu uma outra linha denominada "SX SST ASH". Comparada com a SST62, vinha com um copo em Ash ao invés de Alder, porém, com a diferença de que o corpo vinha sem acabamento, parecia que a madeira era apenas encerada. Isso é péssimo, pois expõe o corpo a danos e batidas, já a pintura e o PU protegem muito a madeira. Para piorar, os corpos eram feitos de 3 ou mais pedaços de Ash colados sem nenhum critério, o que fica muito feio nessa madeira tão figurada. Como vantagem, vinha com tarraxas seladas, ao invés de "vintage".
SX SST57
Desde o lançamento da SST62, muitos reclamavam da falta de uma opção de braço com escala clara. Foi lançado então a SX SST57, que oferecia essa ótima opção de braço inteiriço em maple. A guitarra ainda era a mesma, com exceção do braço e do escudo, que nesse modelo era branco ao invés de "mint green":
SX SST757
SX ALDER
Em 2009, o lançamento de a nova linha SX Alder, trouxe de novo a discussão se o Alder das SX era o mesmo das Fenders, já que essa linha anunciava como atrativo o uso do "Alder americano". Também vinham com tarraxas seladas. Estranhamente, pela primeira vez vi que o corpo da guitarra não tinha a espessura padrão das Fenders (4,5cm), sendo um pouco mais fino. Apesar disso, toquei em uma Strat e um baixo dessa linha e achei eles bem legais.
SST Alder
CONCLUSÃO
Pelo visto, a saga das SX ainda está bem longe de acabar, hehe ! Não falei aqui de modelos de menor importância para a compreensão da linha das SX, como a SX SST SKY, que lembra o modelo Fender signature do SRV e até uma coisa chamada SST62 3/4, que é construída em uma escala menor. O que temos que ressaltar aqui é que o mercado de guitarras mudou desde o aparecimento das SX, hoje, temos também opções de qualidade para instrumentos baratos em outros fabricantes. Ainda assim, considero ainda essa linha imbatível na faixa de preços abaixo dos R$ 500,00, uma excelente opção para quem está começando na guitarra e até mesmo para guitarristas experientes !
Quanto a famosa "equação" SX + boas peças = Fender, será que é verdadeira ? Bem, prometo responder quando fizer o post sobre upgrades, hehe!
Espero que gostem desses post, pretendo mandar reviews iguais a essa sobre outros modelos e fabricantes. Se alguém quiser mandar idéias, correções e críticas sobre esse post, sinta-se a vontade !
Abraços e até a próxima, fiquem com um vídeo mostrando o belo som da SST62 (não sou eu tocando, é um gringo) !
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